RESENHA | Correio para Mulheres, de Clarice Lispector
Breve história da vida e obra de Clarice Lispector
Nascida em 10 de dezembro de 1920, na Ucrânia e naturalizada brasileira, foi escritora e jornalista e é considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras de todos os tempos. Teve como influência Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa e Drummond. Foi redatora de jornal, bacharel em Direito, tendo também realizado cursos nas áreas de psicologia e antropologia. Em 1942, escreveu seu primeiro romance “Perto do Coração Selvagem”, que foi considerado o melhor romance de 1943, o que lhe rendeu o prêmio Graça Aranha.
No âmbito da literatura brasileira, Clarice Lispector é conhecida como uma das mais significativas escritoras do modernismo. Suas obras, A Paixão Segundo G.H. (1964), Água Viva (1973) e A Hora da Estrela (1977), entre outras, caracteriza uma obra muito subjetiva.
Entretanto, a produção de Clarice Lispector alcançou outros campos de atividade não só no literário, pois a escritora teve participação efetiva no meio jornalístico, tal como pode ser demonstrado pela publicação de obras como De Corpo Inteiro (1975), que reúne uma série de entrevistas produzidas pela escritora para a revista Manchete, nos anos de 1968 e 1969, e A Descoberta do Mundo (1984), conjunto de crônicas publicadas no Jornal do Brasil entre os anos de 1967 e 1974.
Atuou como tradutora de obras de escritores estrangeiros famosos como Oscar Wilde, Anne Rice e Agatha Christie (sob o pseudônimo de Mary Westmacott).
Na véspera de seu aniversário de 57 anos, em 9 de dezembro de 1977, a escritora faleceu no Rio de Janeiro.
Correio para Mulheres – Crítica
A editora Rocco, sob a iniciativa da pesquisadora Aparecida Maria Nunes, reuniu, recentemente, sob o título de Correio Para Mulheres, alguns textos produzidos pela escritora, entre os anos de 1952 e 1961, para as colunas femininas “Entre Mulheres”, do tabloide Comício, “Correio Feminino – Feira de Utilidades”, do jornal Correio da Manhã, e “Só para Mulheres”, do tabloide Diário da Noite. Nelas, Clarice Lispector se dirige a uma mulher ainda determinada pela ordem social burguesa e machista, mas que começa a conviver com algumas conquistas tecnológicas que interferem na rotina da dona-de-casa e, simultaneamente, com os ideais feministas que começavam a repercutir no Brasil, afetando a maneira de encarar a vida e o papel da mulher na sociedade.
Entretanto, no âmbito das colunas, não consta em nenhum momento o nome Clarice Lispector, e isso se deve ao fato de que, por razões de cunho profissional e pessoal, (temia que ao escrever assuntos mais triviais diferentes do que era publicado em jornais e revistas prejudicassem a sua carreira como escritora), e o fato mais incisivo que o próprio livro revela, Clarice realmente estava com dificuldades financeiras, desempregada, quase mãe solteira. Pelo legado deixado, bem pelo contexto, penso que não escreveu pelo prazer de se reinventar, mas sim por não haver muita escolha. Ela utilizava pseudônimos, nesse caso, utilizou três ao escrever textos para uma coluna voltada para mulheres.
Tereza Quadros foi o seu primeiro pseudônimo aceitando o convite do escritor Rubem Braga para fazer a coluna Entre Mulheres no Comício. Helen Palmer surge em 1959 assinando a coluna Feira de Utilidades no Correio da Manhã, nessa época Clarice a estava separada e aceita o convite de Alberto Dines em 1960 e 1961 no Diário da Noite para ser a ghost winter de Ilka Soares. O fato é que ela se escondeu por trás desses pseudônimos para não expor o próprio nome com esse tipo de escrita.
Para o leitor que conhece as obras de Clarice e toda a sua complexidade, com certeza ira estranhar o conservadorismo submisso e arcaico, chegando nos dias de hoje a ser anacrônico.
Conselhos de como as mulheres devem se comportar afim de agradar os homens e serem aceitas pela sociedade machista.
Eis alguns trechos:
Discrição:
Você naturalmente sabe que chamar a atenção não é de bom tom e dá sempre uma impressão muito má da mulher. Seja pela roupa escandalosa, pelo penteado exótico, pelo andar, pelos modos, pela risada grosseira, seja, enfim, de que maneira for a mulher que chama a atenção sobre a sua pessoa ou único troféu que merece é o da vulgaridade.Os homens, geralmente muito discretos, detestam as mulheres que se destacam demais, onde quer que apareçam. – Pág. 16
Ou ainda:
O que os homens não gostam:1- Vestido muito justo2- Pintura excessiva, principalmente nos olhos3- Modas sofisticadas e complicadas4- Saltos muito altos5- Batom exagerado, desenhando nova boca exótica6- Meias com costura torta7- Excesso de joias8- Decote exagerado9- Moça desembaraçada demais10- Mulher sabichonaUma coisa é certa: nós, mulheres, desejamos e temos o dever de agradar aos homens. – Pág. 17
Eu sinceramente pensei em abandonar a leitura quando li, e olha que eu não sou feminista militante, daquela que veste a camisa do movimento, imagine uma feminista que pegar esses textos, irá julga-lo com uma severidade excessiva e poderíamos até dar-lhe razão no primeiro momento, porém, se dermos uma segunda chance e lermos com um outro olhar, vamos tirar lições valiosas.
A primeira é a que já foi citada acima, Clarice estava divorciada e precisava sustentar seus filhos e aceitou uma oferta de escrever essas colunas femininas, mostrando assim, que ela não estava disposta a abdicar de sua função de mãe em prol de seu orgulho e carreira. Foi uma opção dela.
A segunda é que sobreviver como mulher independente naquela época era algo que não conversava com o feminismo.
Algumas coisas mudaram de um tempo para cá, mulheres conquistaram o direito político, o direito da educação e do emprego, é impensável defender esses conselhos e achar que podem ser aplicados tranquilamente a vida da mulher atual, e pior, bem ao pé da letra. E não é mais cabível que essas regras sejam impostas as mulheres em pleno século XXI, apesar de as vezes achar que ainda vivemos no século XX.
E é necessário um olhar crítico para o passado sim, afim de nos ajude a não deixarmos que esses erros crassos voltarem e se repetir.
E um olhar mais atento perceberá que mesmo nos conselhos sobre casa, comportamentos e condutas há sem dúvida um toque de ironia, há sempre uma crítica, como no texto em que ela diz:
A Leitura
“As mulheres deveriam ler mais? – E acrescentaríamos ler mais e melhor. Não adianta nada que as mulheres passassem a ler mais, se não procurassem ler melhor. A seleção na leitura é algo imperioso. Do contrário, o tempo perdido na leitura de páginas medíocres não compensaria sacrificar horas de trabalho ou de repouso, para no final das contas nada aprender”. Pág. 45
Mesmo em meio a esse mar de regras imposta pela sociedade, Clarice encontra uma maneira de avivar a chama do feminismo, de falar, ainda que veladamente a todas as mulheres, que elas devem sim, serem consciente, que estudem, que cresçam e sejam acima de tudo, mulheres seguras de si.
Essas sutilezas demostrada nas entre linhas do Correio para Mulheres me fez pensar na Megera Domada de Shakespeare, em que Catarina acaba cedendo à Petrucchio, para espanto de todos, e ao final, passa um sermão nas amigas, dizendo que as mulheres devem ser gratas e servirem aos maridos, pois eles se arriscam para agradá-las. Clarice assim como Shakespeare consegue, com sucesso, expressar o paradoxo que é a personalidade da mulher e, ao final, nos mostra a submissão da esposa ao marido de um outro ângulo. Catarina se submete à Petrucchio, mas não por ele ser homem e ter autoridade, mas por ele amá-la e fazer de tudo para que ela seja feliz.
Traçando um paralelo com os dias atuais, nos continuamos a procurar dicas de modas, receitas de beleza e culinária em revistas e sites. E encontramos determinados parâmetros que daqui a um punhado de anos será tão ultrapassado como o que Clarice escreveu, só que não tenha talvez, a categoria a estirpe e a crítica de nossa Lispector.
Por Jackelline Costa
Ficha Técnica
Ano: 2018
Páginas: 400
Organização: Aparecida Maria Nunes
Editora: Rocco
Páginas: 400
Organização: Aparecida Maria Nunes
Editora: Rocco
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Esta resenha foi originalmente postada no site Cultura&Ação
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