Resenha | Dom Casmurro, de Machado de Assis
Pensei muito antes de trazer esta resenha. O motivo se deve ao fato de que, já muito se escreveu sobre a obra, seu tema e suas questões. Então eu decidi trazer algo diferente, fugindo assim dos modelos tradicionais.
ATENÇÃO: CONTÉM SPOILER
Sinopse:
Em Dom Casmurro, Machado de Assis não pretendeu elaborar uma trama fundada na presumível objetividade dos acontecimentos exteriores. Procurou, ao contrário, construir a intimidade de um viúvo obcecado pela busca de uma certeza sobre o grande amor de sua vida.
Bentinho, narrador e protagonista, sentiu afeto somente por duas mulheres: a mãe e a esposa. Depois da morte de ambas, quis transferir para a segunda o tipo de convicção que possuía sobre a primeira. No túmulo da mãe, mandou gravar duas palavras: “uma santa”. Sobre a esposa, escreveu um livro inteiro para produzir uma imagem estável dela. Não conseguiu. Ele afirma que fora traído, mas sua escrita sugere o contrário. Como a obra conduz ao âmago do discurso irônico, não convém lutar contra a indeterminação. Assim como seria impróprio chamar verde a uma folha esverdeada, não parece adequado reduzir as tonalidades do romance em favor de uma univocidade incompatível com sua estrutura.
Cronologia:
Dom Casmurro nos passa a impressão de ser um velho de cabelos brancos, idoso e já no fim de seus dias, que resolve escrever suas memórias antes de morrer. Nada mais errôneo. Ele não era um velho, pelo menos não na idade. E se chegamos a essa conclusão e somente pelo tom taciturno de sua narração. As datas são bem claras em relação a isso:
1857 – Inicio da narrativa – ele tinha 15 anos e Capitu 14
1865 – Bentinho E Capitu se casam – ele com 23 e Capitu com 22
1871 – Escobar morre afogado
1875 – Data estimada do fim da narrativa – Bentinho com 33 anos
Ainda jovem, concordam?
Vamos ler esse pequeno trecho do livro: “Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos”, se ele fosse um homem com mais de 50 anos isso seria claramente impossível.
Aqui temos que parar para analisar uma questão, em alguns comentários encontra-se a afirmação de que Bentinho teria por volta de 60 anos quando ele narra suas memórias. Não há nenhuma indicação dessa data em todo o livro. Ao meu ver essa teoria se baseia na data e que o livro foi escrito, 1899, sendo lançado um ano após.
São duas interpretações. Eu fico com de que ele tinha menos de 40 anos. Qual e a sua? Deixe nos comentários para podermos conhecer.
Narração:
Narrado em primeira pessoa por Bento Santiago membro da elite carioca do século XIX, transformado já no velho Dom Casmurro. Ele é um homem emotivamente arrasado e instável; narra fatos que não conhece bem, podendo ser tudo fruto de sua imaginação. Um homem já velho (uma velhice de espírito, de alma, não de idade) e solitário, desiludido e amargurado e que está tentando “atar das duas pontas da vida” (infância e velhice) quando ainda era chamado e conhecido como Bentinho, e o apelido de Casmurro ainda não existia.
Tema:
O tema central de Dom Casmurro é o ciúme que fulmina na tragédia conjugal de Bentinho. Seu primeiro traço de ciúmes surge no cap. LXII quando pergunta a José Dias, agregado da casa de sua mãe que vive de favores, suposto médico que tem o hábito de agradar aos proprietários da casa com o uso de superlativos, quando este vai visitá-lo no seminário, “Capitu como vai?”, ao que o outro responde: “Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar um peralta da vizinhança que se case com ela…” Para Bentinho a resposta foi um baque, já que escreve: “A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração naquele instante”.
Porém, além dos temas central o livro nos traz alguns temas secundários; como por exemplo, a diferença de classe social entre Bentinho e Capitu nos dá margem a interpretações de que Bentinho queria destruir a figura de sua mulher por ele ser da elite e ela pobre. Em Dom Casmurro, o homem é o resultado de sua própria dualidade e incoerente em si mesmo, enquanto a mulher é dissimulada e encantadora. Assim, é um livro que representa a política, ideologia e religião do Segundo Reinado.
Outro tema que eu percebi lendo Dom Casmurro é os pais ainda decidirem o futuro dos filhos, Dona Glória mãe de Bentinho, adora o filho e é também muito religiosa. Quer que o garoto se ordene padre como cumprimento de uma promessa que fez. Pais que projetam seus sonhos nos filhos e os privam de terem seus próprios sonhos.
Também temos em Capitu, personagem de origem pobre, mas independente e avançada, uma mulher à frente de sua época tendo que conviver presa as convenções a que estava sujeita todas as mulheres. Ela ousou ser amiga íntima de um outro homem que não era seu marido, e por isso levou fama de adultera.
Personagens Principais:
Bentinho – protagonista e narrador, falha na sua tentativa de transformar sua mulher na vila da história, e ele acaba se tornando um anti-herói. Não pretendia ser padre como determinara sua mãe, mas tencionava casar-se com Capitu, sua amiga de infância. Um fato interessante é que, era a Capitu que tomava a frente e que pensava nos planos para que Bentinho não entrasse no seminário. Na velhice (entre 33 3 34 anos), momento da narração, era um homem fechado, solitário e triste. Vivia preso as lembranças do seu passado triste e doloroso o que o tornou um homem de poucos amigos. Desde menino, foi sempre mimado pela mãe, pelo seu tio Cosme, irmão de dona Glória, viúvo e advogado, por sua Justina prima de dona Glória, que não tinha papas na língua e pelo agregado José Dias. Esse excesso de mimos e proteção foi aos poucos transformando em uma pessoa de personalidade fraca, inseguro e dependente, incapaz de tomar decisões por conta própria e resolver seus próprios problemas. Esses fatores foram, sem dúvida, o gerador dos ciúmes e da suspeita de adultério que estragaram sua vida.
Podemos acompanhar três fases distintas:
- Bentinho revela-se um adolescente marcado pela timidez, sem muita iniciativa e bastante dependente da mulher. Tinha uma imaginação fertilíssima. Quando trava amizade com Escobar, Bentinho, abandona a carreira sacerdotal e ingressa na Faculdade de Direito, em São Paulo.
- Formado aos vinte e um anos, ele é agora o Dr. Bento F. Santiago, bem de vida, financeiramente rico (riqueza muito mais de herança do que de trabalho), casado e feliz com Capitu, e quando nasce o filho (Ezequiel) começa a aparecer os problemas.
- Dom Casmurro, um ser amargurado, inseguro, remoendo suas vivencias e procurando alguém para culpar. O “Dom” é um termo irônico que atribui importância a este homem isolado.
Capitu – A personagem nos é pintada como leviana, fútil, a que desde pequena só pensa em vestidos e penteados, a que tinha ambições de grandeza e luxo, e segundo José Dias, Capitu possuía “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, mas para Bentinho os olhos pareciam “olhos de ressaca”; “Traziam não sei que fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, com a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”. Foi comparada, certa vez pela crítica, como a aranha que devora o macho depois de fecundada. Inteligente, prática, de personalidade forte e marcante (ela era muito mais mulher do que Bentinho, homem), Capitu acaba se tomando a dona do romance. Se separa de Bentinho, vai morar no exterior onde morre de febre tifoide.
Escobar – Amigo de Bentinho, seminarista, “era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, … como tudo”. Ezequiel Escobar foi colega de seminário de Bentinho e, como este, não tinha vocação para o sacerdócio. Melhor amigo de Bentinho. Gostava de matemática e do comércio. Quando saiu do seminário, conseguiu dinheiro emprestado de D. Glória para começar seu próprio negócio. Casou com Sancha, melhor amiga de Capitu. Morreu afogado depois de enfrentar a ressaca do mar.
Senhor Pádua e Dona Fortunata – Pais de Capitu, que viam no possível casamento da filha com Bentinho uma possibilidade de ascensão social.
Ezequiel – Filho de Capitu e Bentinho (?), sobre o qual o se sustenta forte dúvida quanto à paternidade, pois o garoto tinha grande semelhança física com Escobar.
Referências literárias encontradas na obra:
Machado de Assis era um escritor que utilizava da ironia como recurso e fazia isso com maestria através das paródias. Não é raro encontrar referencias de obras conhecidas em seus escritos, em “Dom Casmurro” ele faz uso de três grandes clássicos:
Primeiro temos a referência a Abraão e Isaac: no Velho Testamento, Deus pede que Abraão sacrifique seu filho Isaac em seu nome. Porém, na hora em que Abraão ia imolar seu próprio filho, o Anjo do Senhor aparece impedindo e um carneiro é oferecido em lugar de Isaac. Em “Dom Casmurro”, a mãe de Bentinho promete seu filho a Deus (ele seria padre) antes mesmo de o conceber. Porém, Bentinho se apaixona por Capitu e eles lutam para ficarem juntos. O amor de Capitu consegue anular a promessa feita pela mãe dele e assim os dois podem se casar. Dom Casmurro é provavelmente a obra que mais possui influência teológica. Há referências a São Tiago e São Pedro, principalmente pelo fato de Bentinho ter estudado em seminário. Além disso, no Capítulo XVII Machado faz alusão a um oráculo pagão do mito de Aquiles e ao pensamento israelita. Também utiliza, no final da obra, como uma epígrafe, o preceito bíblico de Jesus, “Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”. A influência teológica não se limita aos fatos, mas também vai no nome das personagens: EZEQUIEL – nome bíblico; BENTO SANTIAGO – Bento (= santo), Bentinho (= santinho). Entre tantas referências citadas no livro, 78 ao todo, 10 delas fazem menção a bíblia.
Temos em segundo lugar “Otelo”, Shakespeare: onde o personagem Iago aguça o ciúme de Otelo levando ele a matar Desdemona. A vida de Bentinho é sempre narrada com o mesmo tom trágico dessa ópera, e o tema do ciúme e traição estão presentes nas duas obras.
E por último e não menos importante vemos claramente “Ilíada” de Homero: no capítulo 125, “Uma comparação”, Bentinho é obrigado a fazer um discurso em honra do suposto amante de sua mulher. Em Ilíada, o rei de Tróia, Príamo, teve que beijar a mão de Aquiles, assassino de seu filho Heitor.
Conclusão
Após lermos esse romance surge a pergunta que tem tirado o sono de alguns e feito milhões de pessoas questionarem: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?
Na minha opinião Capitu é inocente. Bentinho era incapaz de confiar em si mesmo e em seus próprios sentimentos, portanto, como poderia confiar nos sentimentos e na força de caráter de Capitu? Ele nunca foi homem para ela, viveu sempre a margem, sempre orbitando ao redor da luz e atração que emanava de sua esposa, sempre em segundo plano. Nunca se sobressaiu como homem, parceiro e muito menos amigo.
Se isso não bastar para convencer até os mais céticos, vale lembrar que o próprio Bentinho cogitou a hipótese de casar seu filho Ezequiel com a filha de Escobar.
As evidências existem, porém até que ponto podemos considerá-las verdadeiras ou fruto da imaginação de um homem com um ciúme patológico e inseguro? Não é possível conseguir determinar o que é real, pois quem conta um conto aumenta um ponto, ou o que foi inventado e até mesmo intensificado por um advogado do diabo, nunca chegaremos a termos certeza. Cabe a interpretação de cada um.
O certo é que, à época em que a narrativa é ambientada, Adultério era crime previsto no art. 250 e seguintes, do Código Criminal do Imperio do Brazil, que vigorou até 1890, dez anos antes da publicação de Dom Casmurro:
Art. 250. A mulher casada, que commetter adulterio, será punida com a pena de prisão com trabalho por um a tres annos.A mesma pena se imporá neste caso ao adultero.Art. 251. O homem casado, que tiver concubina, teúda, e manteúda, será punido com as penas do artigo antecedente.Art. 252. A accusação deste crime não será permittida á pessoa, que não seja marido, ou mulher; e estes mesmos não terão direito de accusar, se em algum tempo tiverem consentido no adulterio.Art. 253. A accusação por adulterio deverá ser intentada conjunctamente contra a mulher, e o homem, com quem ella tiver commettido o crime, se fôr vivo; e um não poderá ser condemnado sem o outro.
Hoje, o adultério não é mais crime. Sua última menção legal, no art. 240 do Código Penal Brasileiro foi revogada no ano de 2005, pela lei 11. 106.
Mas as vias de fato e que em momento algum, Machado nos da evidencias concretas, quer seja da traição, quer seja da inocência de Capitu. Se ele fizesse isso que sentido haveria na sua obra? Dom Casmurro se mantem por assim dizer “um escravo das evidencias” e isso garante a sua eterna ambiguidade o que nos rende esses belíssimos debates mesmo após mais de cem anos de sua publicação.
Porém, apesar dessa falta de evidencias para uma sentença jurídica, julgo eu, que ela é inocente! Poderia discorrer de longos textos em que se baseia minha opinião, mas isso só se tornaria repetitivo para quem já leu, e para quem não leu poderia tirar, ou não, o incentivo de uma leitura mais apurada, então, peço que me permissão para apenas mais uma colocação: Machado não criaria um personagem tao a frente de seu tempo, tao mulher, tao senhora de si, apenas para que fosse chamada de adúltera! Com isso encerro aqui minha defesa!
Peço mais uma vez a participação de você, leitor: qual é a sua opinião sobre a suposta traição de Capitu? Deixe nos comentários que terei o prazer de ler e responder.
Por Jackelline Costa
Esta resenha foi originalmente postada pelo site Cultura&Ação
http://culturaeacao.com/?resenhas=resenha-dom-casmurro-de-machado-de-assis
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