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quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

RESENHA | Livro de Sonetos, de Vinicius de Moraes

RESENHA | Livro de Sonetos, de Vinicius de Moraes

Resumo da vida e obra de Vinicius
viniciussssss2Seu nome é Marcus Vinicius de Moraes, escritor da segunda geração Modernista. Notadamente reconhecido pelos seus poemas, principalmente os escritos na forma de sonetos, Vinicius de Moraes, como popularmente é conhecido, foi o autor de importantes obras literárias.
Formado em direito, ingressou na carreira diplomática em 1943, depois de trabalhar como crítico e censor de cinema. À primeira fase de sua obra – iniciada com O caminho para a distância (1933) e Forma e exegese (1935) – segue-se a aproximação definitiva com o mundo sensorial, que se radicaliza com o passar dos anos, até que o escritor parece desistir da poesia, optando por se dedicar unicamente às canções populares (o que, para alguns estudiosos, não representa qualquer diferença em relação aos trabalhos anteriores). A decisão de Vinicius certamente obedeceu, em parte, às influências familiares, pois o poeta nasceu em família de músicos e cantores. Depois de ocupar papel preponderante na bossa nova, dedicou-se, principalmente, a shows em boates, casas noturnas e universidades.
 Vinicius de Moraes também escreveu crônicas:
Para viver um grande amor (1962)
– Para uma menina com uma flor (1966)
E também dramaturgo:
– Orfeu da Conceição (1956)
– Corbélia e o Peregrino (1965).
 Quando adolescente, Vinicius chegou a roubar do pai (que também escrevia) um soneto para dar de presente a sua namorada.
Foi o próprio Vinicius de Moraes quem organizou a primeira edição deste Livro de Sonetos, em 1957. Com o volume, o poeta fazia um balanço de sua obra e ratificava, em 35 poemas, sua dedicação à uma das formas mais populares de poesia: o soneto.
91-XD04aWzLO Livro de Sonetos trazia três desenhos e um retrato (de Vinicius), feitos por Carlos Scliar (que tinha feito, no ano anterior, o programa e um dos cartazes de Orfeu), juntamente com um texto introdutório de Luiz Santa Cruz, publicado pela editora carioca Livros de Portugal.
Dez anos depois, veio a segunda edição do livro, e Vinicius acrescentou a ele nada menos que 25 poemas, vários deles inéditos.
Na segunda edição, em 1967, o livro saiu pela editora Sabiá, de Rubem Braga e Fernando Sabino. A nova edição tinha o prefácio de amigo, Otto Lara Resende.
O que se pode inferir ao longo desses anos é que os sonetos escritos por Vinicius de Moraes acabaram por formar um acervo em tudo singular no quadro da moderna poesia brasileira. Eles chamam a nossa atenção pela carga emotiva que encerram, mas impressionam igualmente pela austeridade formal. Desse modo, a extraordinária beleza dos versos parece nascer, em grande parte, dessa aliança, em que a densidade reflexiva e o virtuosismo sintático se afirmam como expedientes de controle da efusão sentimental.
Após a sua temporada na Embaixada de Paris, Vinicius é transferido para Montevidéu, com breve passagem pelo Brasil. No ano anterior, tinha encenado no Teatro Municipal a histórica montagem de Orfeu da Conceição e prestes a iniciar sua série de composições com Antônio Carlos Jobim, canções essas que seriam o marco fundador da Bossa Nova.
Vinicius de Moraes está entre os grandes que perpassaram o limite do tempo, mas para que isso ocorra efetivamente é preciso que haja uma nova inserção da sua poesia para os novos leitores em todos os campos de estudo. O poeta escreveu muito e sobre diferentes assuntos, por isso não se justifica o seu abandono. É interessante recordar o nome do Vinicius de Moraes como um dos expoentes do movimento da Bossa Nova, contudo não é suficiente diante da dimensão dos seus outros valores, principalmente à escrita. Manuel Bandeira tecendo elogios ao escritor afirmou:
“tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas), e, finalmente homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplendido cinismo dos modernos”.
(BANDEIRA, 1958. p. 13).
 Vinícius foi o maior entre os sonetistas brasileiros, isso é indiscutível.
Mas você sabe o que é um soneto?
Ao que tudo indica, o soneto – do italiano sonetto, pequena canção ou, literalmente, pequeno som – foi criado no começo do século XIII, na Sicília, onde era cantado na corte de Frederico II da mesma forma que as tradicionais baladas provençais. Alguns atribuem a Jacopo (Giacomo) Notaro, um poeta siciliano e imperial de Frederico, a invenção do soneto, que surgiu como uma espécie de canção ou de letra escrita para música, possuindo uma oitava e dois tercetos, com melodias diferentes. Sua estrutura não sofre alteração, sendo composta por quatro estrofes — as duas primeiras são constituídas por quatro versos cada uma, os quartetos, e as duas últimas, de três versos cada uma, os tercetos. O desenvolvimento da ideia subordina-se ao limite das estrofes, e se faz por períodos que se contém rigorosamente em cada uma das estrofes, de forma que o fim de cada estrofe é marcado por uma pausa.
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Organização do conteúdo em forma fixa, que serviu de modelo em toda a Europa. Introduzido em Portugal por Sá de Miranda, em 1527, coube a Camões assegurar o triunfo do gênero. Os sonetos de Camões são a parte mais conhecida de sua lírica; considerados os melhores escritos em língua portuguesa.
Através dos tempos a estrutura do soneto veio permitindo diversas outras soluções.
–  No período Barroco, o soneto prestou-se às extravagâncias gongóricas e foi se complicando com inúmeras soluções engenhosas e rebuscadas.
– No Arcadismo, a reação contra o cultismo e conceptismo barrocos, impôs um soneto formalmente correto, rígido na estrutura e frio e convencional quanto ao conteúdo. Bocage, grande sonetista, reabilitou o gênero, incorporando a seus sonetos uma eloquência sonora e um acabamento formal modelares.
– No Romantismo, o soneto foi abandonado pelos poetas românticos, que optaram por formas mais livres, que não condicionavam as expressões poéticas.
– No Realismo, o soneto clássico vai reaparecer, principalmente na obra de Antero de Quental. Foram os Parnasianos que elegeram o soneto, a sua forma predileta, modernizando-o em muitos aspectos.
– O Modernismo afastou os poetas do soneto, surgindo uma oposição às formas canônicas, das quais os modernistas se utilizaram para parodiar e ironicamente dessacralizar os 14 versos.
Porém, passada a fúria iconoclasta da revolução modernista, o soneto volta revigorado. O soneto é, portanto, um caso único de sobrevivência de um modelo literário que resiste às evoluções e revoluções de gosto.
No Brasil, um dos primeiros sonetistas foi o poeta barroco Gregório de Matos Guerra- Boca do Inferno – que escreveu poemas satíricos e eróticos.
O soneto, embora seja uma forma poética clássica do gênero lírico, nunca deixou de receber atenção de poetas em todo o mundo, mesmo quando o Romantismo deu início ao culto ao verso branco, ou seja, versos que possuem métrica, mas não possuem rima. O soneto sobreviveu ao tempo, um caso único na literatura, pois não há nenhum outro molde literário tão longevo quanto ele.
Na língua portuguesa, a forma encontrou diversos representantes, entre eles Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa, Luís Vaz de Camões, Manuel Maria Du Bocage, Olavo Bilac, o já citado Vinícius de Moraes, Antero de Quental e Florbela Espanca, apenas para mencionar alguns.
Os sonetos atravessaram a história, vencendo prisões e guerras, cantando o amor e a arte. Tornaram-se o vício de uma geração. Rimando ou não, tocaram (e tocam) corações por todas as culturas e países, principalmente o Brasil. Ao mesmo tempo curtos e elaborados, eles são sem dúvida a expressão maior da dedicação de escrever versos.
Tal dedicação cantou Olavo Bilac em sua obra “Profissão de fé”:
“Invejo o ourives quando escrevo: Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto-relevo
Faz de uma flor…”

Na obra de Vinicius se patenteia definitivamente a verdadeira face do soneto brasileiro contemporâneo. Valendo-se da privilegiada perspectiva
histórica, por sobre a qual tinha a panorâmica visão do Corcovado, o Poeta incorporou traços de diversos períodos e movimentos literários, quer na temática quer no formato — razão pela qual seus sonetos consubstanciam um autêntico compêndio do gênero.
Desde o lirismo mais sentimental (tipicamente romântico) até a canalização carnavalizada (tipicamente modernista), passando pelo épico politizado e pelo satírico filosofal, sua temática é universalmente abrangente; na forma, praticou desde o modelo clássico (camoniano) até as experimentações modernas, decorando o templo parnasiano com interiores barrocos — nunca abrindo mão, todavia, do rigor métrico, rímico e (sendo o músico que foi) rítmico.
Abaixo seleciono exemplos dos moldes mais frequentes no repertório Viniciano

MODELO 1
Com cinco ou sete rimas, mantém o deca camoniano, mas inverte as abraçadas no segundo quarteto (ABBA BAAB), ou não repete no segundo quarteto as rimas do primeiro (ABBA CDDC), ou cruza rimas nos quartetos (ABAB ABAB ou ABAB BABA ou ABAB CDCD), liberando ao máximo o posicionamento nos tercetos. Exemplos de esquemas em ABAB ABAB CCD EED (cinco rimas) e ABBA CDDC EEF FGG (sete rimas):

SONETO DO MAIOR AMOR
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.
E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer — e vive a esmo
Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

SONETO DE MEDITAÇÃO [PRIMEIRO]
Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.
Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.
Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento
Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia.
E íntimo como a melancolia. (**)

(**) observe-se que na chave de ouro do soneto acima o poeta subverte novamente as tônicas do deca, que neste caso não é heroico nem sáfico —recurso permissível apenas acidentalmente, quando o sonetista interfere com a absoluta segurança do Vinicius.

 MODELO 2: 
Fenomenologia (estudo de um conjunto de fenômenos e como se manifestam, seja através do tempo ou do espaço. É uma matéria que consiste em estudar a essência das coisas e como são percebidas no mundo)
No estrato das formações fônico-linguísticas da fenomenologia insere-se a métrica segundo a qual todos os versos do poema “Soneto de separação”, de Vinícius de Morais, possuem dez sílabas poéticas que, nem sempre correspondem às sílabas gramaticais, pois o leitor-ouvinte pode juntar (ou separar) sílabas, quando houver encontro de vogais, de acordo com a melodia do verso. Esses versos são nomeados decassílabos e seu esquema rítmico, pois são acentuados na sexta e nas décimas sílabas poéticas, versos decassílabos com tal esquema são chamados heroicos.
Com relação as rimas todas são externas, pois aparecem ao final dos versos; são consoantes, pois apresentam semelhança entre vogais e consoantes e são graves, pois são formadas por palavras paroxítonas.
Na primeira estrofe as rimas ocorrem entre as palavras “pranto” / “espanto” e “bruma” / “espuma”, no primeiro caso são consideradas rimas interpoladas, pois aparecem nas extremidades e no são chamadas emparelhadas, pois aparecem uma abaixo da outra, em ambos os casos trata-se de rimas pobres, pois pertencem a mesma classe gramatical.

De / re / pen / te / do / ri / so /fez / -se o / pran / (to)
Si / len / ci / o / so e / bran / co / co / mo a / bru / (ma)
E /das / bo /cas /u / ni / das /fez / -se a es / pu / (ma)
E / das / mãos / es / pal / ma / das / fez / -se o / es / pan / (to)

Na segunda estrofe há rimas entre as palavras “vento/pressentimento” e “chama” / “drama” estas são consideradas cruzadas ou alternadas e são pobres quanto ao critério gramatical.

De / re / pen / te / da / cal / ma / fez / -se o / ven / to
Que / dos / o / lhos / des / fez / a úl / ti / ma / cha / ma
E / da / pai / xão / fez / -se o / pres / sen / ti / men / to
E / do / mo / men / to i / mó / vel / fez / -se o / dra /ma
De / re / pen / te/, não / mais / que / de / re / pen / te
Fez / -se /de /tris/ te o / que / se / fez / a / man / te
E / de / so / zi / nho o / que / se / fez / con / ten / te
Fez / -se / do a / mi / go / pró / xi / mo o / dis / tan / te
Fez / -se / da / vi / da u / ma a / ven / tu / ra er / ran / te
De / re / pen / te, / não / mais / que / de / re / pen / te

Entre a terceira e quarta estrofe ocorrem rimas misturadas, como é o caso de “de repente” / “contente” / “de repente” que são ricas, pois ocorrem entre advérbio, adjetivo e advérbio, respectivamente; e de “amante” / “distante” / “errante” que é pobre pois é formada apenas por adjetivos.
Ainda no âmbito do estrato das formações fônico-linguísticas podemos encontrar no poema a aliteração das consoantes “m” e “n” que se repetem destacando os elementos que denotam mudança ao longo do poema e em alguns casos “m” e “n” representam oposição como em “unidas” / “espuma”, “mãos espalmadas”/ “espanto”, “momento imóvel”/ “drama, “amigo próximo”/ “distante”, dessa forma podemos perceber que a aliteração tem efeito de significação no poema.

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

Também aparece no poema a repetição de palavras, como é o caso das expressões “de repente” e “fez-se” / “se fez”, esse recurso tem efeito sonoro e também significativo, pois além de causarem semelhança fônica entre versos, as expressões enfatizam as transformações ocorridas (“fez-se” / “se fez”) apontando o modo como ocorreram, de maneira inesperada (“de repente”).
Por meio da análise do estrato das unidades de significação podemos observar que há algumas figuras de similaridade, como é o caso da comparação que ocorre no segundo verso, no qual o autor associa o pranto á bruma, um noveiro, dando a ambos as características de silenciosos e brancos e da metáfora que aparece no sexto verso na expressão “última chama” que simboliza a fugacidade da paixão e não algo relacionado ao fogo em seu sentido denotativo.
No poema aparece também uma figura de contiguidade no terceiro verso em que a expressão “bocas unidas” representa o beijo e “a espuma” pode ser entendida como representante do sentimento de raiva, sendo, por tanto, metonímias.
Além destas, há no poema, uma figura de oposição que é a antítese, pois ao longo deste vão aparecendo aproximação de ideias contrárias, como exemplo, no primeiro verso “riso” e “pranto”; no oitavo verso “momento imóvel” e “drama”; no décimo e décimo primeiro nos quais há uma troca, em que as oposições “triste” e “contente”, “sozinho” e “amante” aparecem misturadas e no décimo segundo verso no qual aparecem as oposições “próximo” e “distante”.
No estrato dos aspectos esquematizados destacamos que o poema, como o próprio nome indica, descreve uma separação e as mudanças que esta ocasiona. De modo rápido e inesperado tudo vai alterando-se: a felicidade vira tristeza, o beijo vira raiva, as mãos abertas em acolhimento passam para o rosto em forma de espanto, a calma é substituída pelo movimento do vento, a paixão torna-se desconfiança, o momento parado transforma-se no desastre, o amante em triste, o contente em sozinho, o amigo próximo é afastado e a vida vira algo sem destino. Por meio destas mudanças torna-se perceptível a descrição de um eu lírico que agora é triste, desconfiado, sozinho e anda sem rumo.
Já no estrato das objectualidades apresentadas apontamos a separação como algo natural na vida humana que pode ser ocasionada por diversos fatores e que no poema aparenta ser devido a uma decepção.


MODELO 3

SONETO DO MAIOR AMOR
Maior amor nem mais estranho existe
que o meu, que não sossega a coisa amada
e quando a sente alegre, fica triste
e se a vê descontente, dá risada.
E que só fica em paz se lhe resiste
o amado coração, e que se agrada
mais da eterna aventura em que persiste
que de uma vida mal aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere
e quando fere vibra, mas prefere
ferir a fenecer – e vive a esmo
fiel à sua lei de cada instante
desassombrado, doido, delirante
numa paixão de tudo e de si mesmo.
Oxford, 1938.

Amar exige uma admissão da própria insuficiência, e não é por acaso que o primeiro grau do amor é a humildade. Por isso também não é estranho que Vinícius declare que seu amor, o “maior”, é o “mais estranho”. Afinal, comprazendo-se em torturar a coisa amada, parece tudo menos humilde.
A percepção dessa estranheza nasce daquilo que René Girard chamou de “mentira romântica” (ideia que permeia esta primeira edição de Anatomia do poema), isto é, a negação ou a tentativa de elidir a estrutura mimética de certos desejos. O amador quer transformar-se na coisa amada porque a percebe como divina em sua auto-suficiência. Admitir a sua própria insuficiência é uma humilhação tão insuportável que, para Fernando Pessoa, parece uma verdade iniciática e pensemos no famoso Poema em linha Reta”. A mentira romântica existe para encobrir essa humilhação e afetar no sujeito aquela auto-suficiência que ele julga perceber no outro.
Trata-se de um amor de si mesmo e não do outro – “uma paixão de tudo e de si mesmo”. O amor romântico, nesse sentido, não passa de um jogo de soma zero; quanto mais o outro tiver, mais ele será; e quanto mais ele tiver e for, menos eu terei e serei. Por isso é que o poeta fica triste quando sente o outro alegre; por isso é que dá risada quando o outro está triste.
Contudo, Vinícius, poeta imensamente talentoso, aqui fica a meio do caminho. Se a função primeira da linguagem é nomear, e se esperamos da literatura que nomeie aquilo que não conseguimos dizer como o sol ilumina o mundo, podemos admitir que Camões apontou um problema e Pessoa, de modo mais oblíquo, tocou na mesma questão. Mas Vinícius não dá o salto: um amor que seja tão maligno não pode ser propriamente chamado amor. Do que poderia ser chamado, então? René Girard, usando um termo de Stendhal em O vermelho e o negro, diria que se trata simplesmente de vaidade. Quando o poeta se refere ao “amado” coração, está claro que o sentido principal do adjetivo é “valorizado”, e é por isso que lhe agrada mais permanecer na eterna tensão do que satisfazê-la, já que é melhor prender a atenção de um objeto valorizado do que dar-se a ele e correr o risco de, satisfazendo-o, perdê-lo.
O leitor, entretanto, poderia alegar que uma das prerrogativas do poeta é uma certa obscuridade. Por isso é que Vinícius poderia expor tão perfeitamente uma vaidade e ainda assim chamá-la de “amor”: para mostrar que isso que se percebe como amor nada mais é do que a “paixão de tudo e de si mesmo”. Mas sua linguagem é franca e direta, não há inversões, não há nada que sugira a obrigatoriedade de uma leitura mais detida. Se ele quisesse fazer essa denúncia, a faria de imediato, até porque denunciar de maneira oblíqua não é lá muito eficiente. Ficamos sem saber o que se pretende. Confissão romântica de quem acredita possuir o maior amor e não passa de um caprichoso? Teríamos uma ironia que não combina com quem precisa se levar tão a sério. De novo, denúncia do capricho e da vaidade? Seria preciso algo mais enérgico.
De Camões a Pessoa, vemos que o significado pode se tornar menos imediato, mas a atitude geral dos poemas é coerente e é isso que lhes dá unidade – e, em última instância, força. Talvez Vinícius de Moraes vença no quesito fluência imediata, mas perde por não saber exatamente o que pretende comunicar, acreditando que aquilo que sente pode ser de fato amor. Ou, para falar com a mesma franqueza de seu poema, por estar comprometido demais com a mentira romântica.
Finalizando
Eu tenho a consciência de que essa matéria apresenta possibilidade de aprimoramento e aprofundamento, mas em sua forma atual já permite ao leitor encontrar alguma ajuda para elucidar Vinicius e sua obra.

Por Jackelline Costa

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Esta resenha foi originalmente postada no site Cultura&Ação
http://culturaeacao.com/?resenhas=resenha-livro-de-sonetos-de-vinicius-de-moraes

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