RESENHA: VOZES DO JOELMA - OS GRITOS QUE NÃO FORAM OUVIDOS
Sinopse:
Um dos principais desastres brasileiros foi o incêndio do Edifício Joelma, em 1974, que deixou quase 200 mortos e mais de 300 feridos. Esse acontecimento dramático ganhou as manchetes da época e selou o local com uma aura de maldição. Esse fato ecoa até hoje em boatos fantasmagóricos que envolvem a presença de espíritos inquietos nos corredores do prédio e lendas sobre lamúrias vindas dos túmulos onde corpos carbonizados foram enterrados sem identificação. Algo que nem todos sabem é que, muito antes de o Joelma arder em chamas no centro de São Paulo, o terreno já havia sido palco de um crime hediondo, no qual um homem matou a mãe e as irmãs e as enterrou no próprio jardim.
Devido às recorrentes tragédias que marcaram o local, há quem diga que ele é assombrado por ter servido como pelourinho, onde escravos eram torturados e executados. E sua maldição já fora identificada pelos índios, que deram-lhe o nome de Anhangabaú: águas do mal. Se as histórias são verdadeiras não se sabe… A única certeza é que a região onde ocorreu o incêndio tornou-se uma mina inesgotável de mistérios. E, neste livro, alguns deles estão expostos à loucura de autores que buscaram uma explicação.
A história do Joelma que todos conhecem ou pelo menos tentam entender:
O Edifício Joelma e o Incêndio
O prédio começou a ser construído em 1969, pela Joelma S/A - Importadora, Comercial e Construtora, que "o dotou do mais moderno sistema de incêndios", conforme afirmou um dos diretores da empresa, Jorge Cassab. Na construção foi utilizada uma estrutura de concreto armado, com vedações externas de tijolos ocos cobertos por reboco e revestidos por ladrilhos na parte externa. As janelas eram de vidro plano em esquadrias de alumínio, com telhas de cimento amianto sobre estrutura de madeira.
O subsolo e o térreo seriam destinados à guarda de registros e documentos; entre o 1° e o 10° andar, ficariam os estacionamentos; do 11° ao 25°, as salas de escritórios, divididas em duas torres: Norte, com face para a Av. Nove de Julho; e Sul, voltada para a Rua Santo Antônio.
Concluída sua construção em 1972, o edifício foi imediatamente alugado ao Banco Crefisul de Investimentos. No começo de 1974 a empresa ainda terminava a transferência de seus departamentos, quando no dia 1° de fevereiro, às 08h54 de uma sexta-feira, um curto-circuito em um aparelho de ar condicionado no 12° andar, deu início a um incêndio, que rapidamente se espalhou pelos demais pavimentos. As salas e escritórios no Joelma eram configurados por divisórias, com móveis de madeira, pisos acarpetados, cortinas de tecido e forros internos de fibra sintética, condição que muito contribuiu para o alastramento incontrolável das chamas.
No início do incêndio, muitos conseguiram fugir pelos elevadores, até que estes pararam de funcionar e também provocaram várias mortes, incluindo um grupo de treze pessoas encontradas em um dos elevadores, que nunca puderam ser identificadas, e ficaram conhecidos como as Treze Almas do Edifício Joelma.
O Joelma contava com uma única escada central para servir às duas torres de escritórios. Não havia escadas de emergência nem brigadas de incêndio ou plano de evacuação. A escada foi rapidamente tomada pela densa fumaça, impedindo a fuga dos ocupantes, que ao invés de descerem, começaram a subir, na esperança de serem resgatados no topo do prédio.
Muitos pessoas não sobreviveram. No total, 191 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas.
Como aconteceu?
São Paulo sexta-feira 1° de fevereiro de 1974, era uma manhã cinzenta como tantas outras no centro da capital paulista,quando pela manhã por volta das 8h45 ouviu-se um barulho de um vidro se quebrando no 12° andar, era um ar condicionado que estava em curto circuito tendo neste momento iniciado o fogo que consumiu pelo menos 189 vítimas fatais e outras 345 ficando feridas. As proporções foram alarmantes pois no prédio havia pelo menos 756 pessoas espalhadas pelos 25 andares. O edifício era um prédio comercial localizado na avenida 9 de julho, 222 esquina de rua Santo Antônio. Antes porém no ano de 1948 um crime macabro ocorreu lá mais precisamente na rua Santo Antônio n° 104 em 4 de novembro de 1947, um crime que abalou os paulistanos na época e ficou conhecido como o Crime do Poço. Joelma é um edifício amaldiçoado, assombrado e doente que até hoje desperta a curiosidade nas pessoas. Muitos relatos, reportagens e matérias constituem um cenário de um verdadeiro filme de horror
Nascimento do livro:
Esses tristes fatos reais deram a os escritores Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira,
Marcus Barcelos, Victor Bonini, que são reconhecidos pela temática envolta de mistérios, terror e suspense, a ideia de se unirem para escrever as histórias que jaziam escondidas na fachada do edifício Joelma e seu terreno amaldiçoado, e como toda grande produção tem algum artista convidado, aparece em cena nada mais nada menos do que Tiago Toy.
A sua participação ao meu ver é o que torna os contos do Vozes do Joelma algo único, diferente de outros livros de contos que existem atualmente no mercado. A escrita de Tiago Toy dá a vida a um ser tão mal quanto enigmático. Ele remonta de eras antigas, e vem se alimentando da destruição e caos gerados pela própria humanidade. Em textos logo nas primeiras páginas do livro nos deparamos com uma ideia aproximada sobre e “o Devorador de Almas”:
“A mim são destinadas somente às almas que sucumbem em desgraças provocadas por atos vis do próprio ser humano”
“Presenciei a queda de impérios, a ruína de civilizações e o desaparecimento de cidades inteiras”
“Já vesti hábitos, vestes puídas, correntes engorduradas de suor da labuta forçada.”
O Devorador de Almas é o elo que une cada conto do livro, fazendo com que eles tenham uma ligação singular, seria o verbo de copulativo de uma sentença gramatical, que sem ele a frase ou texto não estaria completa. É formidável a maneira que ele preenche as lacunas e desenha em seu texto uma imagem de medo, uma consciência plena de que ao ler o livro você não está totalmente sozinho, que há algo à espreita só esperando que algo lhe aconteça para que sua mente seja devorada e faça eco junto com todas as vozes que ainda gritam do edifício Joelma.
Os contos e seus autores:
OS MORTOS NÃO PERDOAM - Marcos DeBrito
Esse conto do nos traz a história antes mesmo da existência do edifício, o que nos faz pensar que foi nesse tempo que o terreno onde décadas depois seria construído o edifício foi amaldiçoado quando houve um triplo assassinato. Tragédias assim costumam manchar o solo fazendo com que a maldade desferida se torne como um coração bombeando ódio e violência a todos que ousam pisar no seu solo.
"Clamar perdão às almas em tormento não serviria ao criminoso. Petrificado, olhava para o umbral da porta como uma pessoa encurralada. Sabia que sua única opção era torcer para que o seu destino não fosse tão hediondo quanto o de suas vítimas." pág. 50
NOS DEIXEM QUEIMAR - Rodrigo de Oliveira
Se o conto anterior apresenta o passado do terreno, aqui podemos claramente ver o presente. É a explicação clara de como e o porque o incêndio começou. Lembra do texto acima do Devorador de Almas? Sobre as almas que morrem nas desgraças provocadas pela ganancia, ódio, soberba e egoísmo proveniente de nos mesmo? É justamente o que acontece aqui. Finalmente o que aconteceu naquele dia fatídico nos e esclarecido mesmo que de uma forma sobrenatural.
"O 12 andar inteiro estava em chamas. Pelo chão, as pessoas se debatiam tentando extinguir o fogo que lhes castigavam o corpo. O cheiro acre e enjoativo de carne humana torrada se misturavam a os odores do carpeta, madeira e fibras sintéticas que permitiam que o prédio fosse inteiramente engolido." pág., 100
OS TREZE - Marcus Barcelos
Os fatos aqui narrados acontecem alguns dias depois do edifício pegar fogo. Nos deparamos nesse conto com algo após a tragédia. Treze corpos não identificados são levados para serem enterrados. E aqui novamente aparece um ser que se alimenta dos gritos de agonias das almas que teimam em não se calarem.
"Corpos carbonizados saiam dos túmulos das treze vítimas, e conforme eles arrastavam-se para fora das covas, deles sopravam um vapor quente que desafiava a lógica daquela madrugada chuvosa." pág. 168
O HOMEM NA ESCADA - Victor Bonini
Tempo depois, os escombros do edifício passa a ser usado por pessoas que não tem onde morar,
e mais uma vez a violência gerada pelo ser humano é o gatilho de constantes tragédias e nem sempre o que desejamos pode ser o certo.
"Então... Ele me arremessa pro poço do elevador. Eu perco o folego, não consigo gritar. São dois, três metros só, mas sinto que tô caindo de um avião (tô caindo pro inferno). O horror cresce quando me estouro no topo da montanha de lixo. Alguma coisa dura fura minhas costas e sinto uma pontada de dor no meu braço. Lá no quarto andar, o zelador não para de sorrir para mim." pág. 268
Antes e depois de cada conto o Devorador de Almas faz o elo para que as histórias sejam costuradas uma a outra, fio a fio, medo a medo, suspense a suspense. A voz dessa entidade se faz ouvir anunciando que ele esta só aguardando por um deslize, uma ação ou um fósforo riscado em meio a galões de combustível para enfim consumir a sua alma.
"Agora, fecha os olhos e desenterra teus medos, tuas fraquezas. Vamos, ninguém mais nos vê. Quer esteja no conforto do teu lar ou no meio da multidão, és invisível neste instante. Aproveita esse momento para garimpar a tua coragem e assumir tua verdadeira identidade. Tua alma te encara, e sei que tu te envergonhas do que vê. Se serve de consolo, não estais sozinho." pág. 284
Crítica:
Um livro de contos de terror e suspense, daquele tipo que te faz sentir um calafrio na espinha quando se sente só em seus pensamentos. Te faz pensar onde suas ações ao longo da tua vida te levarão e quem estará te esperando no fim de tudo.
Já fazia muito tempo que eu não lia algo assim, e me deu um orgulho enorme saber que tal obra é proveniente do Brasil. Isso prova que estamos evoluindo no meio literário e pensando fora da caixinha. A prata da casa não fica devendo em nada aos grandes nomes desse gênero literário.
Vozes do Joelma é um livro surpreendente, a sua temática já é um chamariz para os fãs do gênero, mas vale a pena exaltar que é uma literatura nacional de qualidade e bem escrita, a edição foi muito bem diagramada e as ilustrações são um algo a mais para criar o clima de terror, suspense e medo. Os autores são de um nível condizente com a proposta do livro e a interação do Tiago Toy para mim foi o ápice de tudo. Parabéns a Faro Editorial pelo belíssimo trabalho!
Sobre os autores:
Tiago Toy - Nasceu em Jaboticabal, interior de São Paulo, em 1985, mudou para a capital paulista em 2009 em busca de seu futuro, ainda alheio ao fato de que encontraria na escrita sua realização profissional. Lançou seu primeiro livro, Terra Morta, em 2010 após ser convidado por uma editora a transformar em trabalho a história que publicava na internet como hobby. Seu segundo livro veio em 2014, e como autor convidado participou de diversas coletâneas, sempre fiel ao gênero terror. Desde então, Toy decidiu trancar o curso de Game Design e tirar um longo período sabático para estudar a arte da escrita e amadurecer suas técnicas – amadurecimento esse que pode ser visto em seu novo livro, Vozes do Joelma, para o qual foi convidado pela Faro Editorial para fazer parte do time de autores já consagrados que deram corpo à obra. Atualmente Tiago Toy trabalha em seu próximo livro. (fonte Skoob)
Romances: Terra Morta: Fuga - Terra morta: Infecção - Terra Morta: relatos de sobrevivência a um apocalipse zumbi - Vozes do Joelma
Contos na Amazon: Não se preocupe mamãe. Ficaremos bem - Teoria e prática de como ser um zumbi - Três assobios - Ignácia - El arte de Bibi
Contos em antologias como autor convidado: Lá vem ela, a Morte - E o que você fez? - Heroína
Marcos DeBrito - Nascido em Florianópolis, mudou-se para São Paulo em 1998 para estudar Cinema na FAAP, faculdade que cursou entre 1999 e 2003. Ele afirma que fez o caminho inverso de muitos escritores: foi do cinema para a literatura, quando teve a ideia de adaptar alguns de seus roteiros para o formato de romance. Casou-se em 2008 com Bianca Mastropietro e vivem juntos desde então.
Livros: À sombra da lua – 2012 - Condado macabro – 2014 - À Sombra da Lua: Parábola do Retorno – 2015 - O escravo da capela - 2017 - A casa dos pesadelos - 2018
Filmes: Uninverso – 2001 - Overdose digital – 2007 - Nelson Ninguém - 2013 - Condado Macabro – 2015 - Mesa para dois – 2016 - Apóstolos - 2017
Rodrigo de Oliveira: O Vale dos Mortos - A Batalha dos Mortos - A Senhora dos Mortos - A Ilha dos Mortos I - A Ilha dos Mortos II - Elevador 6
Marcus Barcelos: Horror na Colina Darrngton - Dança na Escuridão
Victor Bonini: Colega de Quarto - O Casamento - Quando ela Desaparece
Título: Vozes do Joelma - Os gritos que não foram ouvidos
Autores: Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira, Marcus Barcelos, Victor Bonini & apresentação de Tiago Toy
Autores: Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira, Marcus Barcelos, Victor Bonini & apresentação de Tiago Toy
Editora: Faro Editorial
Ano: 2019
Páginas: 288
#Resenha #Literatura Nacional #Autor Nacional
Que mega resenha, hein? Lembro de um especial do Linha Direta que me tirou o sono. O filme espírita, idem. Preciso muito ler esse livro.
ResponderExcluirEu pensei em adicionar o link desse episódio, mas ja havia una resenha de um blog que colocou, dai resolvi so por a materia mesmo. Obrigada sempre!!!!
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